Esta semana fui passear a uma capital europeia à custa de uma marca de carros de gama alta japonesa, tudo porque o will.i.am, o tipo dos Black Eyed Peas, está associado à marca e tinha lá umas coisas para mostrar. Mas foi algo que ele próprio disse num press junket onde estive que me pôs a pensar.
Esta coisa de associar celebridades a marcas é mais velha do que eu mas o que o rapper está a antecipar é bem capaz de ser um game changer para, pelo menos, uma parte da indústria. Basicamente o que will.i.am disse com todas as letras é que agora só vai fazer música para coisas que ele criar. Quem conhecer um pouco do percurso do rapper sabe que tem queda para designer: relógios, malas, sapatos… Enfim, tudo coisas que recaem mais para o lado frívolo e vaidoso de qualquer vedeta (e de todos nós, no fundo). Mas o que está a antecipar à larga escala, é a música ser vendida com outros produtos.
Digo à larga escala, porque vimos bem há pouco tempo os U2 e a Apple a oferecerem um disco a quem tem uma certa app ou o Jay-Z e a Samsung, para quem adquirisse determinados modelos.
Esta é uma de outras maneiras de fugir à crise da indústria, e ao que parece todos ficam a ganhar. Mas será que o público também fica? Há sempre aquela ilusão de adquirir algo de novo que vem marketerizado por um nome forte da música, mas para mim, esta promiscuidade entre marcas e os ditos ‘criadores’ também contribui para a morte lenta da autenticidade da criação. A que estamos a dar valor afinal? Ao artista e ao processo que envolveu a criação (independentente de não gostarmos do produto final)? Ao método com que essa criação nos chegou? Ou ao facto de adquirirmos deteminado produto topo de gama que tem um produto inédito associado a ele?
Esta conversa fez-me lembrar a Capicua e a sua sapataria imaginária onde se vendem sapatos e chocolates (a Sereia Louca que lhe chegou num sonho e que inspirou o excelente disco deste ano). E se em vez de chocolate fosse música? Se chegássemos à sapataria e pedíssemos umas sandálias da Fly e o último single da Madonna, sff?
(Texto: Rita Tristany Barregão para o Portugalize.Me/ Desenhos: Dário Cannatà)