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A população portuguesa não forma uma comunidade nem mesmo uma colectividade solidária. É este, talvez, o factor mais importante que impede a mudança profunda de que necessitamos.

E porque é que os portugueses não formam um conjunto social coeso? Procurar as razões históricas e sociológicas de um tal facto exigiria um longo estudo. Apontemos alguns factores, eles próprios efeitos de outras causas e causas de efeitos mais superficiais.

Em primeiro lugar, a ancestral sobrevalorização do estrangeiro, do lá fora que remete para um cá dentro depreciado. O que supõe um fechamento dominante, e uma imagem de si sempre oscilante entre o não sou nada e o sou um génio (os dois motes da imagem de si da Tabacaria de F. Pessoa…), ambos desrealizantes e imaginários. Em segundo lugar, e no seguimento daquela representação inferior de si, a extraordinária – pela sua universalidade e intensidade – prática do queixume. (…) É o fundamento da nossa portugalidade negativada. Porque a portugalidade, segundo o queixume, não poderia ter uma essência metafísica positiva.

Por isso abundam – no regime da auto-agressividade e auto-flagelação – as expressões escatológicas. Este país é uma trampa…, etc. O que que dizer que o Estado, os portugueses, a sociedade, a nossa essência de lusitanos não valem nada.

(…)

Resumindo, se a colectividade nacional não apresenta coesão é porque os portugueses não gostam uns dos outros. E não gostam uns dos outros porque não gostam de si próprios – e reciprocamente.

Portugal, Hoje – O Medo de Existir (José Gil) – Relógio D’ Água