Ardilosas formas dos portugueses se porem à conversa

23 Outubro, 2016

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Sim, é a cueca da vizinha, dobradinha no vão da escada, quase que camuflada pelos azulejos da entrada, colocada ali, com atenção e carinho! De uma vizinha que poderia ser a minha, a tua, a do teu amigo, a vizinha da vizinha do José do segundo andar da Rua da Rosa, mas também poderia ser outra coisa qualquer.

Os vizinhos estão sempre a perder coisas, a deixar cair coisas. Molas, tapetes, roupa, artefactos mil. Os vizinhos com as suas mãos de manteiga, mãos largas que ao pendurar ou ao sacudir, largam.

Caem as molas e, ao fim de um mês já enchem um saco. Solução: vão da escada! Cai o tapete. Dobra-se e, vão da escada. O vão da escada, ponto de entrada, de encontro, de um sobe e desce, lugar de perdidos e achados.

Ó vizinho, desculpe lá, acabei de deixar cair um pano da cozinha! Veja lá, estava eu a sacudir a toalha da refeição e nem dei conta do desgraçado do pano!

Faz-se a recolha depois de uma lenga lenga, de um par de desculpas, de obrigados seguidos e de converseta que já nada tem a ver com o motivo do encontro. Olha-se para as horas e faz-se um aiiiiiii de: “quão tarde já é e nem me tinha apercebido de tal!” E tudo isto de cueca na mão, de peúga ensopada pela chuva, tapete voador ou outra coisa qualquer que tenha esvoaçado de um lugar a outro.

Ganhamos sem nos apercebermos uma proximidade com os lugares íntimos de quem vive ao nosso redor. A naturalidade das consecutivas quedas dá lugar à espontaneidade das sucessivas situações.

Ó vizinho, desculpe lá mais uma vez… desta vez deixei a janela aberta e não é que o raios parta do estore do IKEA me voou!! Coisa barata é no que dá! E eu preocupado se tinha caído em cima de alguém, ou se tinha estragado alguma coisa… nunca mais compro nada no IKEA…”

E sem darem por isso, já falam da bola ou da novela, do vizinho do andar do lado, dos trabalhos que nem atam nem desatam, dos ais, dos uis da vida, dos achaques e dos comprimidos que tomam de 2 em 2 horas. E a cena repete-se, vezes sem conta porque vezes sem conta se deixa cair qualquer coisinha que possa vir a proporcionar estes breve e caricatos encontros.