As mãos que fazem a cidade

15 Dezembro, 2014

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Em Lisboa ainda há quem use as mãos como principal ferramenta de trabalho… é esta a reflexão que serve de ponto de partida ao Projecto da Ana Nascimento, designer gráfica e Lisboeta. Aliás, muito Lisboeta, como ela própria escreve.

A ideia do Projecto, As Mãos de Lisboa, começou a ser delineada a partir do confronto com uma necessidade no âmbito de um trabalho de Mestrado em Design Visual, no IADE. A Ana precisava de encadernar um livro à moda antiga. Da procura desta arte, deparou-se com um velho encadernador que desconhecia por completo e que sempre habitou no seu bairro. Se não me dissessem, nunca me iria aperceber de que estava ali um senhor, de 80 e muitos anos, que encaderna e restaura livros.” 

Algum tempo passou e, em 2011, a Ana dá corpo e voz à ideia de dar a conhecer os artistas que mantêm a arte da manufactura activa, em Lisboa. E assim nasceram As Mãos de Lisboa, uma ode aos que ainda vão mantendo a riqueza do nosso Património Artesanal.

Mostrar os rostos, os espaços e as histórias por detrás das mãos que trabalham o ferro, a cerâmica, a madeira, as linhas e tantos outros materiais, permitem-nos dar a devida existência a “sítios” muitas vezes escondidos ou ignorados.

A Ana Nascimento brindou-nos com algumas dessas realidades tirando-as de um profundo anonimato. Ora leia aqui algumas delas.

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“A Carioca Lda., foi fundada em 1936, sempre trabalhando com chás e cafés. Sempre foi tradição as pessoas tomarem café e se antigamente havia muita gente para comprar os cafés e chás d’A Carioca (até faziam fila), hoje o negócio está um pouco mais fraco uma vez que as pessoas já raramente fazem café em casa que não seja com as máquinas que foram lançadas há uns anos.

Todo o processo de mistura de café puro ou das misturas de cevada, chicória e café é feito na sala que segue a zona de venda. As misturas são robustas ou arábicas, conforme o país de origem dos mesmos. Quem aqui trabalha embala estas misturas, depois de pôr os vários tipos de café com as quantidades necessárias e vende-as assim ou avulso. Se o cliente quiser, o grão é moído sempre à vista do próprio (a moagem varia porque cada máquina tem o seu tipo de moagem).

Existem vários tipos de lotes de café: O Palace, o Bar, o Presidente… tudo depende das misturas, do tipo de café, da origem. Uns mais fortes outros menos. Além dos cafés e chás, A Carioca vende também cafeteiras, também elas diferentes e próprias para um certo tipo de café, e outro tipo de produtos como pastilhas ou chocolates.”

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“A Casa Maciel, iniciada em 1810, tem uma tradição já bastante antiga e importante no ofício da latoaria. São os únicos em Portugal a produzir lanternas (de jardim, parede, tecto, portão e braço), lustres, apliques e meios florões para tectos de forma manual. Todas as peças são feitas na oficina, com entrada pela Rua das Gáveas, 48.

Nesta casa começou-se por fazer lanternas para carruagens bem como alguidares, banheiras e semi-copios, depois do terramoto de 1755. Durante a 2ª Guerra Mundial inventou-se a bailarina (uma forma de aquecer água sem ser necessário fogo) passando depois para formas de bolos e gelados. A última vez que as fizeram foi aquando da última visita da Rainha Isabel II a Portugal, para o jantar real no Palácio de Queluz.

Num local composto por pequenos espaços e corredores, com duas entradas distintas, uma para a loja, outra para a oficina, trabalham duas a três pessoas. Tudo aqui é artesanal, num local repleto de ferramentas e de moldes de todas as peças (feitas em estanho, cobre, chapa ou latão), incluindo réplicas de conventos, solares, palácios.”

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“Antes de ser escultor, Acácio de Pina Coelho era maquetista. Foi um dos colaboradores da maquete de Lisboa antes de terramoto de 1755, feita no Castelo de São Jorge e agora exposta no Museu da Cidade.

Sempre teve jeito para as artes e dedicou-se à escultura depois do 25 de Abril, quando abriu o seu espaço na Bica, repleto agora por muitas das suas obras feitas ao longo dos tempos. De molduras com fotografias antigas que o mostram junto aos seus trabalhos de maquetista a esculturas de barro e gesso, pintadas com as tintas misturadas com esferovite diluído.

Se antes tinha empregados e pessoas que o ajudavam, agora trabalha sozinho quando surge oportunidade para o fazer. No entanto, porque há falta de procura, situação impensável noutros tempos em que ganhava bem (diz que só num Natal conseguiu ganhar dinheiro suficiente para um Alfa Romeo), está agora a tentar vender o seu espaço.”

(Texto: Raquel Félix – Portugalize.Me e As Mãos de Lisboa/ Imagens: As Mãos de Lisboa)