Malha a malha

1 Abril, 2013

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Olho para os casacos que tricotei para as minhas duas sobrinhas. Uma versão mais pequena de um casaco que já tricotei para mim, estes dois casaquinhos, em tamanho mais pequeno, levaram-me meses a completar.

Não, eu não sou a tricotadeira mais rápida que já viveu à face da Terra; sou, diria eu, minuciosa. E ponto a ponto, malha a malha, um fio branco de lã foi tomando forma, costas, peito, mangas e capuz, os seus torcidos, os seus elásticos e, finalmente, os botões e respectivas casas.

Estes dois casacos acompanharam toda a mudança que se operou nos últimos meses da minha vida: ficámos a saber que saíamos do Panamá e nos mudávamos a Lisboa – umas costas. Demos a notícia aos nossos familiares à altura de uns ombros; fizemos malas entre mangas e capuzes. Já em Lisboa, tricotei as bandas de botões de ambos os casacos, cosi-os e preguei-lhes botões. Pelo meio, troquei mangas e tamanhos, porque a vida também tem disto: há dias em que só avançamos com tentativa e erro. Minucioso, um trabalho que requer paciência, perseverança e muito desejo de ver o projecto concluído.

O mesmo se passa na vida: é preciso irmos construindo o nosso dia-a-dia malha a malha, sem perder de vista o casaco que estamos a tricotar. Temos de perseverar  e insistir, mesmo quando nas mãos temos um emaranhado disforme de pontos, que só com muito poder de abstracção poderá vir a conformar um casaco.

É preciso lutar pelos casacos desta vida.

Estou em plena adaptação a uma nova cidade. Trata-se da minha cidade, é certo, mas é uma nova cidade. De momento, não tenho ainda casa nem rotina, e tudo parece ser incerto como uma miragem. Tenho tudo por fazer, decisões por tomar, e nas minhas mãos vive um emaranhado de fio a deslindar e tricotar com a forma da vida que quero ter aqui em Lisboa.

Tal como no tricot, a vida pede-me paciência e perseverança para construir, umas malhas por dia, o casaco desta nova fase lisboeta.

(Texto e imagem: Ana Isabel Ramos)