Mudança

12 Maio, 2013

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Escrevo este texto rodeada por caixotes, pedaços da nossa vida parcelados e embrulhados em papel pardo. Esta casa, com um terço do tamanho daquela em que vivíamos no Panamá, requer um exercício, cansativo mas libertador, de selecção.

Antes de embarcarmos, ainda do outro lado do oceano, tivemos muito pouco tempo para fazer uma triagem. Aqui, já no porto de chegada, a contingência do espaço obriga-nos a uma escolha aturada do que é realmente útil, separando o que ainda está em condições para dar e o que, simplesmente, já não serve. Este processo, apesar de esgotante, sabe bem.

Desde que começámos esta mudança, sinto-me a atravessar um túnel onde a vida não é a habitual, onde tenho tudo dentro de malas. As coisas que aprecio estão repartidas por vários lugares e vieram em momentos diferentes da minha casa lá para a minha nova casa cá. Desde que o processo começou, fechámos três anos no Panamá, viajámos até Lisboa e começámos uma vida nova numa cidade nova. E a adaptação, apesar de este ser o nosso país, nunca é fácil.

Com a chegada dos caixotes, cujo conteúdo não víamos há já dois meses, sentimo-nos no Natal.

(abro um parêntesis para dar graças aos deuses das mudanças, já que entre Buenos Aires e o Panamá estivemos cinco meses, cinco!, à espera dos nossos pertences.)

Cada caixote que abrimos é uma surpresa, como se de um presente se tratasse. E em cada caixote que abrimos passamos ao processo de escolha, de eliminação do que já não usamos, da separação do que está bom para ainda ser usado. E, parecendo que não, tomar decisões cansa muito.

A mudança é isto, também: é a escolha dos objectos que queremos ter à nossa volta e das pessoas que queremos ter na nossa vida. Queremos ficar só com os bens que nos sejam úteis e rodear-nos de pessoas que nos encham de energia positiva. Porque as coisas que já não usamos ou não nos servem, não tendo valor afectivo, são uma carga. E as pessoas que não nos alimentam de boas ideias, de entusiasmo, de alegria de viver também elas são uma carga.

Uma casa mais pequena é uma boa metáfora dos tempos de crise; é neste momento que podemos tomar a decisão de nos desfazermos de coisas, hábitos e ideias que são uma carga para nós. De escolhermos conscientemente rodear-nos de pessoas que nos motivem e que alimentem os nossos sonhos, e de deixar para trás as pessoas e os compromissos que nos pesam nos ombros.

Este é um bom momento para escolhermos viver mais leves.

(Texto e imagem: Ana Isabel Ramos)