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Diferenças

16 Dezembro, 2013

Portugalize.Me_air_anaisabelramos

No jardim em frente ao atelier temos dois exemplares de Ginkgo biloba, uma das minhas árvores favoritas. São consideradas “fósseis vivos”, designação pouco científica para explicar que são semelhantes a fósseis datados de há vários milhões de anos atrás, e que tiveram pouca ou nenhuma evolução genética ao longo dos tempos.

Para quem não sabe, no mundo dos ginkgos existem machos e fêmeas, distinguíveis por pequenas estruturas semelhantes a “pinhas” no macho, e sementes parecidas com cerejas, mas de outra cor, nas fêmeas. Estas mesmas sementes, ao caírem ao chão, libertam um cheiro desagradável, que há quem descreva como parecido ao da manteiga rançosa ou do vómito. Eu acho que cheiram a cocó.

É este mau cheiro que desperta em muita gente uma certa aversão aos exemplares femininos desta belíssima árvore, o que a mim me parece francamente injusto. Apesar de os exemplares se poderem multiplicar por clonagem, para gerar novas árvores-matriz são necessárias as partes masculina e feminina da informação genética.

Mas as injustiças no mundo dos ginkgos não se ficam por aqui. Com as duas árvores aqui tão perto de mim, tenho-as acompanhado todo o Outono e cheguei à conclusão, por observação, de que as folhas da “ginkga” (peço perdão aos especialistas em botânica pela minha terminologia) amarelaram muito tempo antes que as do “ginkgo”. Hoje, ao passar por lá, constatei que a fêmea já tem os ramos completamente nus, enquanto que o macho ainda apresenta uma copa farfalhuda, com folhas que só agora estão a mudar de cor.

Não sei muito sobre árvores, menos ainda sobre estes ginkgos maravilhosos, mas pus-me a imaginar razões para isso acontecer: será que a fêmea consome mais energia por produzir sementes? Ou será que a contingência deste local, em particular, expõe mais a fêmea aos elementos?

Passei todo o Outono a pensar em como a natureza, na sua imensa sabedoria, faz estas coisas que aparentam ser tão injustas. E transpus a situação para a realidade dos humanos, e em como as mulheres que querem conjugar vidas dentro e fora do lar gastam o dobro (ou mais) de energia para comprovarem o seu valor lá fora, para depois chegarem a casa e passarem à gestão da pequena empresa que é cada família.

Dizem-me amigas minhas que descobrem nelas uma mandona, que dá ordens a torto e a direito, para conseguirem chegar a casa do trabalho, organizar e dar jantares, contar histórias e deitar filhos, para depois se voltarem a sentar a trabalhar. Contam-me outras amigas que na hora de ir ao médico com as crianças são elas, as mães, a sair mais cedo do trabalho e a deixar o projecto pendurado, para irem atender ao que é prioritário, o bem-estar da prole.

Onde está o imperativo natural e onde está a interpretação humana da divisão das tarefas nos dias que correm? Certo, por definição é a mãe que tem o alimento para dar ao recém-nascido, mas que se passa quando, por alguma razão, não há lugar à amamentação? Ou quando a criança é adoptada? Ou quando as crianças crescem? Será que existe uma verdadeira igualdade?

Estou também curiosa por saber como se faz a distribuição de tarefas em casais do mesmo sexo: há desequilíbrios, tal como aqueles que observamos nos casais heterossexuais?

E todas estas elucubrações por causa do casal de ginkgos, árvores maravilhosas, do jardim aqui em frente…

(Texto e imagem: Ana Isabel Ramos)