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A típica folha A4, horizontal, é chamariz fácil para quem anda desesperadamente à procura dos primeiros caracóis do ano. Mas mais do que o bom sabor dos caracóis da Leitaria Anunciada (ali para o Largo da Anunciada em Lisboa, logo ao início das Portas de Santo Antão), procura-se envolvência, contexto que condimente ainda mais o prato desejado há meses.

Pedi ao balcão um prato de caracóis e uma imperial: “Olhe que só temos à travessa!”. As travessas não me intimidam, muito pelo contrário, desafiam-me: “Não se preocupe que eu dou cabo dela!”.

Sentei-me na esplanada, com vista para o elevador do Lavra. Turista sobe, turista desce, turista vai, turista vem… e começo a minha sinfonia, sorver caracóis com toda a força que isto de usar palito é para quem não percebe nada do assunto. Chamo a atenção de quem passa. Todos turistas a julgar pelo olhar curioso mas repugnado que lançavam sobre a minha travessa. Se fossem viajantes talvez se sentassem e experimentassem sem rodeios este petisco tão português porque turista quer Portas de Santo Antão and very typical foodnot (pelo menos os que vêm para estas bandas).

Travessa e imperial a meio. Os vizinhos da mesa de trás fazem questão de dar a conhecer o teor da conversa alto, em bom som e num rol de cavalhadas à mistura. Todos os conhecidos e desconhecidos que por ali passam recebem uma chamada aos berros: “Ó Vítoooooorrr… anda cá beber uma!”… “Parlais vous português?”. Não me incomoda, compreendo o à vontade… se fosse no Porto haveria desculpa para o linguajar mas, a Leitaria Anunciada com quase um século de existência, tem maturidade suficiente para permitir de tudo um pouco à sua porta. É malta dali, que se vê todos os dias e que fazem da Leitaria a sua sala de estar para os amigos. Todos se conhecem. É bom sentir esse contacto, essa proximidade dentro da cidade.

Travessa e imperial quase no fim. Os sinos tocam, cânticos irrompem a paisagem de ócio e uma procissão com a imagem de Nossa Senhora de Fátima surge ao virar da rua em direção às Portas de Santo Antão. Uma vizinha apressa-se a colocar uma colcha rosa na varanda de sua casa. A procissão passa, a vizinha desce, fecha a porta e segue caminho. Até os santos por ali passam.

Finalizado o repasto, saio com um sorriso de esguelha. Num curto espaço de tempo, apanhei parte da riqueza que veste esta cidade, este país, as pequenas coisa do dia a dia tão particulares, tão únicas, de cada um. Todos diferentes e tão bem integrados. A vida conhece-se na rua.

E assim comi caracóis, como se fosse a primeira vez!

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(Texto: Raquel Félix – Portugalize.Me)